Percepção temporal

Percepção temporal

17 de janeiro de 2023

O tempo

O tempo é um aspecto fundamental da relação do indivíduo com o seu ambiente. Sua estimativa é condição necessária para a manutenção e regulação de comportamentos essenciais para a sobrevivência e a adaptação, como realizar controle motor, comer e dormir, assim como para comportamentos complexos, como o reconhecimento de fala e a tomada de decisão. Dessa forma, é inegável a importância das hipóteses sobre o mecanismo de cronologia criado pela humanidade.
Platão e Aristóteles dividem uma gênese de que o tempo está associado à mudança que gera uma consciência do antes, do agora e de um depois. Seguindo esses aspectos, Agostinho considerou que o tempo não pode ser medido, somente sua impressão e isso relaciona-se às ideias de Leibniz, que acreditava que o tempo não poderia existir sem os fenômenos; de Kant, ao postular que o tempo é uma representação subjacente a todas as intuições; convergindo em Mach: tempo é uma abstração, a que chegamos pela variação das coisas.
Seguindo para um âmbito das ciências naturais, Galileu e Descartes descrevem a característica mensurável do tempo e seus aspectos quanto a duração das coisas. Já Newton, divide o tempo em dois: tempo absoluto, o qual flui uniformemente, sem relação com qualquer coisa externa; e o tempo relativo, aparente e comum, medida de duração perceptível, obtido através do movimento, tal como uma hora, um dia, um mês, um ano.
Esta distinção entre o tempo como medida e curso do tempo também é apresentada por Bergson, destarte o primeiro um tempo matematizado, um número, o tempo do relógio. Em contraste, o curso do tempo pode ser experimentado pela consciência, é o tempo concreto que passa: a duração implica a consciência, pois só podemos falar de uma realidade de duração e localização temporal (antes e depois) se introduzirmos a memória.

A emoção e a percepção do tempo

Isso posto, a neuropsicologia relaciona a alteração da percepção do tempo com diversas psicopatologias, podendo ocorrer um descompasso entre o tempo subjetivo e o cronológico. Assim como nos outros processos perceptivos, não há uma correspondência exata entre o estímulo "real" (tempo cronológico ou objetivo) e o julgamento acerca da passagem do tempo (percepção subjetiva de tempo), de forma que as distorções temporais são experimentadas sem intercorrências no cotidiano ou trazendo prejuízo no caso de quadros patológicos.
Vários fatores fazem parte da temporalidade: a percepção do tempo, seguido de estimação de duração de eventos e capacidade de gerar “previsões” de ocorrência de eventos. Estes influenciados pelas emoções, estados afetivos, atenção e memória. Todos nós já tivemos a sensação de que o tempo passou muito rápido em situações agradáveis. Não obstante, o tempo "não passa" em contextos aversivos. Nesses exemplos fica evidente o papel modulador da emoção sobre a percepção de tempo. Em geral, as distorções temporais relacionadas ao processamento emocional são explicadas por dois fatores: o nível de alerta fisiológico e os recursos atencionais mobilizados automaticamente.
O nível de alerta fisiológico modula a percepção temporal no sentido de que quanto maior o nível de alerta, maior será a emissão de sinais e o tempo será percebido como passando "mais devagar", ou seja, uma superestimação do tempo percebido. Esse mecanismo é associado ao funcionamento da área motora e pré-motora e, consequentemente, amplas vias que incluem o tronco encefálico, cerebelo, núcleos da base, córtices motores frontais, a ínsula anterior e posterior, e as regiões parietais e frontais, identificados através de estudos com técnicas de imageamento cerebral e de registro de atividade elétrica.
Em segundo lugar, a atenção: os recursos atencionais estão voltados para o processamento temporal, porque, se a atenção é alocada para aspectos não temporais, por exemplo uma emoção, o tempo é percebido como passando "mais rápido" (subestimação temporal). Esse processo ocorre prevalentemente na escala temporal que compreende intervalos acima de um segundo até várias horas, chamado de tempo cognitivo, que está associado à ativação de regiões córtico-parietais.
Estudos iniciais de percepção do tempo e ansiedade analisaram unicamente estimativas de tempo decorrido sob condições estressantes. Posteriormente, estudos usando estímulos emocionais padronizados, como imagens e clipes de filmes, adicionaram apoio à ideia de que o aumento do medo e da ansiedade estão correlacionados com a superestimação dos intervalos de tempo.

Transtornos da percepção do tempo

Um trabalho sobre ansiedade e distúrbios relacionados concentrou-se nos aspectos temporais relacionados quando um evento ocorrerá e na probabilidade de um evento ocorrer, ou seja, na imprevisibilidade e incerteza, sugerindo que ambos modulam comportamentos e atividades semelhantes à ansiedade em regiões cerebrais associadas à ansiedade. Certamente, pois a sua natureza aversiva é ainda apoiada por estudos que mostram que os animais preferem receber choques previsíveis em vez de imprevisíveis.
Herry et al. (2007) implicou à amígdala papel nesses mecanismos, uma estrutura associada ao medo e à ansiedade, sendo que, em todas as espécies, evidências de atividade sustentada na amígdala foram interpretadas como refletindo processos de habituação modificados para permitir que os indivíduos permaneçam preparados para a ação diante da imprevisibilidade. As descobertas de Meck & MacDonald (2007) corroboram, uma vez que indicam que a amígdala pode ser crítica para distorções no tempo decorrentes da ameaça de um evento afetivo.
Além disso, a percepção do tempo é um fator crucial para o processo de tomada de decisões, através da capacidade de saber discriminar consequências para escolhas. Essa característica bastante impactada pode-se perceber em indivíduos com TDAH, depressão e ansiedade. De forma geral, em quadros depressivos a percepção do tempo apresenta-se como lenta, vagarosa; em quadros ansiosos percebe-se a presença de uma percepção de pressão temporal, como se o tempo sempre fosse insuficiente, que sempre precisasse de mais tempo para fazer tudo aquilo que lhe é proposto.

O tempo é um recurso limitado

Embora a pesquisa de percepção do tempo tenha mostrado que o tempo subjetivo é sensível ao medo e à ansiedade, há uma escassez de pesquisas abordando diretamente a função da ambiguidade nas distorções do tempo.
É provável que o tempo seja distorcido em maior medida durante períodos de aumento da ameaça e ansiedade em populações clínicas que sofrem de transtornos de ansiedade do que em controles saudáveis. Por exemplo, pacientes com transtorno de pânico e estresse pós-traumático podem mostrar maiores distorções de tempo resultantes de estímulos imprevisíveis, enquanto pacientes com transtorno de ansiedade generalizada podem apresentar maiores distorções resultantes da incerteza probabilística. 
Tais descobertas indicariam que a percepção do tempo está intimamente relacionada à maneira como a ansiedade é experimentada e como os indivíduos respondem a eventos aversivos. É importante lembrar que o tempo é um recurso limitado, e gerenciá-lo de forma eficaz é crucial para alcançar metas e reduzir a ansiedade. Algumas técnicas que podem ajudar incluem: estabelecer prioridades, fazer listas de tarefas, delegar tarefas e aprender a dizer não.
Referências: 1. BERNARDINO, L. G., OLIVEIRA, F. S., MORAES JR., R. O papel da emoção na percepção de tempo: uma revisão sistemática. Psicol. pesq., Juiz de Fora, v. 14, n. 3, p. 206-230, 2020. 2. DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. Paulo Dalgalarrondo. – 3. ed. – Porto Alegre: Artmed, 2019. 3. DE SOUZA, D. G. R. A consciência do tempo: princípios de fenomenologia da temporalidade dinâmica. Tese (Doutorado em Filosofia), Universidade Federal de Minas Gerais, 2018. 4. FUENTES, D.; MALLOY-DINIZ, L.F.; CAMARGO, C.H.P. & COSENZA, R.M. Neuropsicologia: teoria e prática. São Paulo: ArtMed, 2008. 5. HERRY, C., BACH, D. R., ESPOSITO, F., DI SALLE, F., PERRIG, W. J., SCHEFFLER, K., LUTHI, A., SEIFRITZ, E. Processing of temporal unpredictability in human and animal amygdala. J. Neurosci. 27, 5958–5966. 2007. 6. Lake, J. I., LaBar, K. S.  Unpredictability and uncertainty in anxiety: a new direction for emotional timing research. Frontiers in Integrative Neuroscience. Volume 5, Article 55, 1. 2011. 7. MARTINS, A. F. P. Concepções de estudantes acerca do conceito de tempo: uma análise à luz da epistemologia de Gaston Bachelard. Tese (Doutorado em Educação), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004. 8. MECK, W. H., MACDONALD, C. J. Amygdala inactivation reverses fear’s ability to impair divided attention and make time stand still. Behav. Neurosci. 121, 707–720. 2007. 

Isadora Machinski
Isadora Machinski
Farmacêutica

Mestranda em Ciências Farmacêuticas - UEPG, farmacêutica por formação, professora voluntária, acadêmica de Psicologia e ex-aluna da Certificação Rigor Científico em Neurpsicofarmacologia. Desde o primeiro ano da graduação estava imersa no universo da pesquisa, por meio da Iniciação Cientifica, transitando entre as áreas das Ciências Farmacêuticas até direcionar seus estudos às plantas medicinais. Antes de concluir a graduação em Farmácia, em meio a pandemia de COVID-19, iniciou seus estudos em Psicologia e então nasceu a integração entre etnofarmacologia e neurofarmacologia. Segue, então, o caminho da carreira acadêmica e pesquisa através do mestrado acadêmico aprofundando esse interesse. Encantada pela ciência e apaixonada por lecionar e compartilhar conhecimentos.

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